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LUGAR COMUM
 
   
 
Quase todo o estudante em Berlim tem experiênia de WG. Quem não era mesmo de lá, o que eram poucos, e que não era menino mesmo fino, acabava muito provavelmente por morar numa destas “comunidades de habitação”, que se instalaram nos espaçosos fogos dos velhos e sublotados prédios da Berlim Ocidental. Vivia-se bem aqui, com poucas massas e longe da casa paterna.
Mas para entrar numa WG era preciso passar por uma audição, de que nem uma boa cunha dispensava, que era também útil mas não suficiente. As audições serviam para descobrir as compatibilidades ou a falta delas entre o candidato e os habitantes já instalados. Conforme o caso, os critérios variavam, mas inevitavelmente cobriam também o foro pessoal, senão íntimo do candidato. Sempre se pretendia viver juntos, e como as WG nasceram do movimento anti-autoritário de ’68, as velhas convenções já não serviam de base comum, e as novas oscilavam conforme a variante do projecto ideológico em experimentação e com a intensidade em que se estava empenhado em prová-la superior à família tradicional. Com os anos, claro, o brio ideológico moderava-se, mas não se anulava com um pragmatismo fruto de experiência frequentemente dolorosa.
Mas vamos à audição:

“Olá, sou a Anna. Esta é a Elke e aquele é o Paul que é o namorado da Elke, mas cada um tem o seu quarto, claro. Aliás, o Paul é "bi" e por isso partilha o quarto com o Fred, que não está na reunião porque não é da WG mas mora aqui de momento porque se separou e ainda não tem onde dormir nem dinheiro. Percebes seguramente que não podemos sustentar mais um caso destes. Tens dinheiro, pois não? É que o Paul é um caso especial: é um dos fundadores da WG. Já agora, tu és straight?
Ainda não explicaste bem quais as tuas ideias sobre morar aqui connosco. Qual o teu projecto. Andas num grupo? Estudas? És Autónomo*? Não tens problemas com a bófia, ou tens? Olha, em respeito à bófia: Uns charros não fazem mal, mas não podes guardar coisas duras cá em casa! E junkies é que não! Ouve, se trazes junkies para aqui, há bronca a sério!
Uma vez por ano fazemos uma grande festa, que por acaso já é p’ra semana, vêm por aí umas duzentas pessoas, aqui toda a gente costuma de partilhar os seus quartos com quem não pode ir para casa nesta noite. Claro que não é obrigação nenhuma, mas é uma tradição. Não terias nada contra, ou terias?
Temos dois frigoríficos. Aquele é para as coisas comuns, e este para as particulares. Esta prateleira seria a tua. A malta aqui é macrobiótica. Tu comes carne? Não é condição, claro, mas para dizer a verdade, não gostamos carne cá na WG...
E aquilo é a máquina de lavar, depois eventualmente explicamos como funciona, cada um lava a sua roupa, claro, e a sua louça também; as limpezas das zonas comuns são por turnos, uma vez por semana, e ao saíres da banheira, limpas esta linha cinzenta a volta! Tá bém?”

Porquê conto isso tudo? Porque assim posso garantir aos meus visitantes e comentadores do Quase em Português que, fortalecido por esta experiência, assegurei nas negociações com os meus coabitantes que vocês me possam aqui visitar com a mesma frequência e o a-vontade como no QeP, e fazer o barulho ao que lá se habituaram.

* Anárquico violento

Lutz

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